Cinco anos após o estopim da pandemia de Covid-19, ainda não há um entendimento consolidado na Justiça do Trabalho sobre a validade de demissões sem justa causa realizadas por empresas que haviam aderido, na época, ao movimento #NãoDemita. O tema está entre os afetados pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) como repetitivo (Tema 114) e, nos últimos dois anos, a controvérsia já resultou em cerca de 210 acórdãos e 1.190 decisões monocráticas na corte superior trabalhista.
A maior parte desses julgamentos ocorreu em processos que visam a reintegração de ex-empregados a instituições bancárias. Sete das oito turmas do TST tendem a manter esses desligamentos, com o entendimento de que a campanha foi mera intenção, mas não uma obrigação. Contudo, nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) ainda existe resistência a esse entendimento.
Lançada em abril de 2020, a campanha visava incentivar a preservação de empregos durante o período da crise sanitária. O manifesto inicial estabeleceu o compromisso de não dispensar sem justa causa pelo prazo de 60 dias a partir do início da pandemia (março de 2020). No ápice, de acordo com publicações da imprensa na época, a causa teve adesão de mais de 4 mil companhias, em especial grandes bancos.
Apesar de prevalecer no TST o entendimento de que o compromisso não foi suficiente para assegurar estabilidade provisória aos empregados das empresas signatárias, algumas turmas de TRTs permanecem com interpretação contrária, condenando as companhias a reintegrar os funcionários demitidos e em alguns casos até a indenizá-los por danos morais. Uma parte dessas condenações já foi derrubada por decisões monocráticas ou colegiadas do TST, outra, porém, ainda aguarda julgamento.
Para a maioria das turmas do TST, com exceção apenas da 2ª Turma, a campanha configurou apenas um acordo de intenções, sem caráter obrigatório e, portanto, não teve o condão de assegurar estabilidade provisória aos empregados das empresas signatárias. A interpretação também é adotada por decisões da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) e do Órgão Especial (OE).
Embora o entendimento esteja praticamente pacificado no TST, na segunda instância ainda há uma corrente divergente, segundo a qual o compromisso assumido pelas empresas constituiu direito entre as partes envolvidas. Sendo assim, enquanto perdurassem os prejuízos causados pela pandemia, os empregados dessas empresas não poderiam ser demitidos sem justa causa.
Em junho de 2025, uma decisão da 1ª Turma do TRT1, sediado no Rio de Janeiro, que trazia essa segunda interpretação foi derrubada por decisão monocrática do ministro Ives Gandra Martins Filho, presidente da 4ª Turma do TST. No caso em questão, os desembargadores do TRT negaram recurso do Itaú Unibanco e mantiveram a instituição condenada a reintegrar uma funcionária demitida em novembro de 2021, além de indenizá-la em R$ 20 mil por danos morais. (Processo nº 0100923-19.2021.5.01.0075)
Para os magistrados do TRT, o descumprimento do compromisso público, em plena pandemia, quando houve aumento significativo dos lucros obtidos pelo banco, tornou o ato de dispensa abusivo e ilegal. O colegiado também considerou que, devido à idade e tempo de casa da funcionária, que tinha 46 anos e trabalhava há 20 na instituição, a demissão constituiu ainda ato discriminatório, evidenciando uma prática de substituição de empregados antigos por mais jovens, com salários menores.
“Muito embora o ato de dispensa esteja inserido no poder diretivo do empregador, não se pode negar que, no caso dos autos, o réu assumiu o compromisso público de que não promoveria dispensas sem justa causa durante a crise provocada pela pandemia da Covid-19, não somente com relação seus colaboradores, através dos relatórios anuais integrados de 2019 e 2020, mas também com a sociedade em geral, através das diversas notas divulgadas na imprensa. Portanto, ainda que não haja fundamento para se falar em estabilidade em sentido estrito, é evidente que nesta situação específica o poder diretivo do empregador encontra limites nos princípios que fundamentam o ordenamento jurídico, tais como boa-fé, dignidade da pessoa humana e função social da empresa”, concluíram.
Contudo, o Itaú questionou a decisão e o recurso foi aceito por Gandra. Ao reformar o entendimento, o ministro do TST disse que a Corte tem decidido no sentido de que a adesão ao movimento #NãoDemita não instituiu uma modalidade de estabilidade provisória no emprego. “A dispensa do empregado, ressalvados os casos de estabilidade e garantia provisória de emprego, bem como de exercício abusivo do direito, insere-se no direito potestativo do empregador, a quem caberá honrar os haveres rescisórios previstos em lei”, disse. Ele ressaltou ainda que no caso em questão a demissão ocorreu depois do prazo de 60 dias estabelecido no compromisso.
Entendimento similar foi dado pelo ministro Alexandre Luiz Ramos, em decisão publicada em abril deste ano. Na monocrática, o ministro aceitou recurso do Bradesco contra decisão do TRT16, no Maranhão. O Regional havia anulado a dispensa de um bancário ocorrida em maio de 2020 e determinado que o banco, além de reintegrá-lo, deveria indenizá-lo em R$ 40 mil por danos morais. (Processo nº 0016743-73.2020.5.16.0015)
No acórdão reformado, os desembargadores do TRT também ressaltaram o bom momento econômico usufruído pela instituição durante a pandemia e afirmaram que, diante desse cenário, “o descumprimento do compromisso assumido seja com seus empregados, seja para com toda a sociedade, importa em contrariedade ao que se assumiu voluntariamente e se empenhou em divulgar na imprensa, caracterizando o que se denomina venire contra factum proprium, situação que afronta o princípio da boa-fé objetiva, insculpido no artigo 422 do Código Civil, assim como atenta contra os princípios da dignidade da pessoa humana e da função social da empresa, previstos na Constituição Federal”.
Ao derrubar a condenação, Ramos citou entendimento delineado pelo Órgão Especial do TST, por unanimidade, em decisão de junho de 2021. Na ocasião, o colegiado definiu que o movimento representou apenas uma “carta de boas intenções, despida de conteúdo normativo apto a amparar tese acerca da estabilidade no emprego, de modo que seu eventual descumprimento enseja reprovação tão somente no campo moral, sem repercussão jurídica”. (Processo nº 1000086-94.2021.5.00.0000)
Do mesmo modo, em novembro do ano passado, a 7ª Turma do TST reverteu outra decisão da 1ª Turma do TRT1, que havia determinado que o Bradesco reintegrasse um trabalhador demitido em outubro de 2020. No acórdão, o ministro Alexandre Agra Belmonte, relator, pontuou que a decisão regional se baseou apenas na adesão à campanha e que não constava nos autos qualquer registro de que o trabalhador tinha garantia no emprego, seja por força de lei ou de norma coletiva. Portanto, considerou que a condenação feriu o direito potestativo do banco de dispensar seus empregados, amparado pelo artigo 2º da CLT, já que a dispensa ocorreu cinco meses depois do período de suspensão. (Processo nº 0100831-10.2020.5.01.0226)
Apesar dos precedentes no TST, decisões regionais mantêm a corrente alternativa. Esse é o caso da 8ª Turma do TRT4, no Rio Grande do Sul. Em agosto do ano passado, o colegiado, por maioria, reformou decisão da 2ª Vara do Trabalho de Bento Gonçalves e condenou o Bradesco a reintegrar uma bancária demitida em outubro de 2020.
No acórdão, o relator, desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso entendeu que a demissão foi ilegal porque a estabilidade se incorporou ao patrimônio jurídico dos trabalhadores como uma vantagem, conforme o artigo 468 da CLT, ainda que não estivesse prevista por lei ou norma coletiva.
D’Ambroso também observou que “a interpretação sistemática da Constituição da República e dos seus princípios e direitos fundamentais, notadamente os valores sociais do trabalho, a dignidade da pessoa humana, a melhoria das condições sociais do trabalhador e a função social da propriedade aponta para a direção diametralmente oposta à dispensa de um trabalhador durante a pandemia”. O banco recorreu ao TST, mas ainda não houve julgamento. (Processo nº 0020404-86.2022.5.04.0512)
Em março de 2025, o Pleno do TST instaurou um Incidente de Recursos Repetitivos (IRRs) que pode pacificar a questão. No Tema 114, o colegiado deve definir se a adesão configura hipótese de garantia provisória do emprego e, caso decida que sim, se essa garantia seria limitada aos 60 dias mencionados pela campanha.
O julgamento deve resultar em um entendimento vinculante sobre o tema para toda a Justiça do Trabalho. Ainda não há, no entanto, data prevista para a análise. Não houve também, por enquanto, determinação para que sejam suspensos processos relacionados ao assunto.
Fonte: Jota
Notícias: FEEB-SC