O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) autorizou 91 bancos a venderem crédito consignado — com débito direto na folha de pagamento — para aposentados e pensionistas nos últimos cinco anos, em meio a uma enxurrada de denúncias de fraude semelhante ao escândalo dos descontos indevidos, revelado pelo Metrópoles.
Essas autorizações foram assinadas durante os governos Lula (PT) e Bolsonaro (PL), por meio de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs), o mesmo expediente utilizado pelas entidades envolvidas no esquema bilionário de cobrança de mensalidade associativa sobre aposentadorias, que é alvo de investigação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU).
Entre as instituições liberadas a oferecer crédito consignado a aposentados e pensionistas do INSS, estão bancos mais tradicionais ou de maior projeção, como BMG e C6, e financeiras menos conhecidas. Em muitos processos levantados pela reportagem no Judiciário, eles já foram condenados por descontar o consignado de beneficiários que afirmam não ter contraído o empréstimo.
Há casos também de aposentados que contrataram o consignado e foram surpreendidos depois com uma cobrança adicional de mensalidade associativa de uma das entidades da farra dos descontos e, ainda, de segurados do INSS que foram vítimas dos dois golpes: sofreram descontos de consignado e de mensalidade sem ter contratado ambos.
Este é caso da aposentada Silvania Lameirinha, 71 anos, que mora na capital paulista. Após a Operação Sem Desconto, deflagrada pela PF em abril, ela foi analisar o contracheque de sua aposentadoria e descobriu que estava sofrendo desconto de mensalidade da Associação de Amparo Social ao Aposentado e Pensionistas (AASAP), desde 2019, e de um “empréstimo sobre a RMC” que ela desconhecia completamente.
“Procurei a gerente do banco para entender o que estava acontecendo e ela me disse que isso é um empréstimo de cartão de crédito consignado, que não tem nada a ver com o banco onde eu tenho conta. Até agora eu não consegui descobrir a origem desse desconto. Já o desconto dessa AASAP, que eu não conheço, vem descrito pelo INSS. Foram R$ 1.279,19 nesse tempo todo”, conta Silvania.
Acordos em massa e fraudes no consignado
Assinatura falsa do C6
Um dos bancos que teve acordo de cooperação renovado com o INSS nos últimos anos foi o C6, que acumula multas milionárias do Procon — apenas uma delas no valor de R$ 7 milhões — e chegou a ter sua operação de crédito consignado suspensa pela Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, em 2020.
O C6 também respondeu a ações do Ministério Público Federal (MPF) que terminaram em acordos para cessar fraudes em empréstimos consignados. Em um desses casos, por exemplo, um aposentado de Barretos, no interior de São Paulo, processou o C6 e o Itaú, afirmando não reconhecer empréstimos feitos em seu nome. No processo, os bancos juntaram contratos.
Um perito foi nomeado para analisar as assinaturas e constatou que “não foram encontrados os mesmos hábitos gráficos, confirmando assim a incompatibilidade de punhos escritores” na comparação entre os contratos e a letra do aposentado. “Portanto, as assinaturas são consideradas falsas”, disse.
No processo, o juiz Matheus Parducci Camargo, da 3ª Vara Cível de Barretos, afirmou que houve “fraude na contratação” e que “é evidente que a parte autora não contratou voluntariamente as operações de crédito”. Os bancos foram condenados a uma indenização de R$ 5 mil.
BMG: banco do Mensalão
Marcado por seu envolvimento no escândalo do Mensalão, como uma fonte que abasteceu o esquema de compra de votos no Congresso no primeiro governo Lula (2003-2006), o BMG já foi alvo de investigação no passado por causa de operações suspeitas envolvendo crédito consignado a aposentados e pensionistas do INSS.
Agora, nas novas investigações, correspondentes do BMG na venda desses empréstimos aparecem em quebras de sigilo bancário e planilhas de associações alvo da Polícia Federal contra a farra dos descontos. Como mostrou o Metrópoles, um ex-gerente do BMG é dono de uma empresa que recebeu R$ 15 milhões de associações da farra do INSS.
Essas entidades, ligadas ao empresário Maurício Camisotti, estão sob suspeita de pagamento de propinas ao ex-diretor do INSS André Fidelis e ao lobista conhecido como “Careca do INSS”. Além disso, muitas outras empresas que receberam das entidades se declaram como correspondentes do BMG e são citadas na operação da PF. Camisotti e as entidades sempre negaram as irregularidades.
Uma delas é o Balcão das Oportunidades, que recebeu R$ 9 milhões da Ambec e da Cebap, outra entidade ligada a Camisotti. Com as entidades, a empresa tem um contrato que prevê atrair novos associados a elas em meio à venda de consignados. Em troca, receberia 100% da primeira mensalidade dos novos filiados e 21% de todas as demais descontadas desses aposentados.
A parceria entre o BMG e o Balcão das Oportunidades, ambos fundados em Minas Gerais, também tem sido objeto de queixas em ações judiciais de aposentados sobre descontos de parcelas de créditos consignados cujas contratações eles negam ter efeito. Em um desses casos envolve uma aposentada de Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo.
O banco e o correspondente afirmaram que ela recebeu um cartão de crédito consignado em sua residência e juntaram o áudio de uma ligação telefônica com a aposentada. Na gravação, uma atendente afirma, de maneira veloz, que está ligando para confirmar a contratação de um cartão do BMG.
A aposentada afirmou que não usou o cartão e o banco e o correspondente não toparam pagar honorários para fazer perícia sobre os contratos dela. A Justiça condenou ambos — BMG e Balcão das Oportunidades — a pagarem R$ 3 mil pela contratação irregular. O Metrópoles também levantou casos em que a perícia judicial confirmou o uso de assinaturas falsas para contratação de cartão de crédito consignado do BMG. Em um deles, a indenização foi de R$ 5 mil ao aposentado, fora a devolução do empréstimo consignado.
O que dizem os bancos
O C6 afirmou, por meio de nota, que “começou a oferecer crédito consignado em março de 2020 e, ao longo do primeiro ano de operação, adotou medidas firmes para aperfeiçoar o atendimento ao cliente e tornar o sistema de contratação mais seguro”. Diz, ainda, que “ampliou a rede de atendimento, digitalizou o processo de contratação e, em abril de 2021, passou a adotar a biometria facial com prova de vida para todos os contratos”.
“Desde essa época, para contratar o consignado, o cliente, além de fornecer sua biometria facial e geolocalização, deve confirmar o seu consentimento em diversas etapas da operação”, afirma o banco. A instituição diz também que “impõe um rígido e contínuo controle de qualidade aos seus parceiros comerciais” e que “cumpre todas as diretrizes da Autorregulação do Consignado” para “coibir o assédio comercial e as fraudes praticadas na oferta de crédito consignado público e privado no país”.
Ainda segundo o banco, essas medidas fizeram o número de reclamações relacionadas a consignados cair 95% entre 2021 e 2024. Sobre os processos judiciais em curso, o C6 afirma que a maioria “refere-se ao primeiro ano de operação até a adoção da biometria facial como etapa obrigatória para formalização do contrato”. Esses casos estão no escopo do acordo feito com o Ministério Público de Minas Gerais.
Já o Itaú Unibanco afirma que “investe continuamente na segurança das operações de crédito consignado para beneficiários do INSS, visando garantir a regularidade das contratações e prevenir golpes e fraudes”.
“O banco adota rigorosos procedimentos de segurança, incluindo geolocalização e reconhecimento biométrico do contratante desde 2021, antes mesmo deste recurso se tornar padrão”, diz.
Sobre o caso citado pela reportagem, o Itaú afirma que a ação judicial é de 2020, antes da implantação do reconhecimento biométrico, e que “cumprirá as determinações legais”. Procurado pelo Metrópoles, o BMG não se manifestou. O espaço segue aberto. (Fonte: Metrópole – Por Artur Rodrigues e Luiz Vassallo) – foto divulgação .